Mercados de ações: os nossos comentários sobre a bolsa para compreender a situação atual e não temer (demasiado) o futuro

Carmignac’s Note

Publicado
16 maio 2023
Tempo de leitura
4 minutos de leitura

Estes últimos trimestres foram muito favoráveis aos mercados de ações das economias avançadas: +16% no índice Standard and Poor’s 500 e +31% no Euro Stoxx 50 entre o final de setembro de 2022 e o final de abril de 20231. Uma completa reviravolta, tendo em conta o estado de espírito dos investidores e dos aforradores no verão passado! Este forte aumento é "normal" ou, pelo contrário, resulta de um comportamento de mercado particularmente atípico? Dá alguma indicação preciosa aplicável além dos próximos meses?

Este aumento significativo surgiu depois de os mercados terem sofrido com uma orientação monetária restritiva sem precedentes no passado, exacerbada pelos efeitos iniciais da guerra na Ucrânia nos preços da energia. Mas, apesar de tudo, nem a proximidade geralmente prevista do fim da orientação monetária restritiva antes de uma pausa que se espera vir a ser relativamente longa, nem a normalização progressiva do funcionamento económico vários meses após o início das hostilidades, nem mesmo a diminuição da inflação subjacente americana em outubro podem justificar, por si só, esta recuperação que eliminou por completo a baixa do ano anterior na Europa.

A redução da oferta de crédito provocada pela crise bancária americana aumenta a probabilidade de recessão nos Estados Unidos

Com efeito, além destes três fatores inquestionavelmente positivos, existem algumas ameaças ou questões por resolver, entre as quais ameaças recorrentes como as tensões geopolíticas associadas à China, o limite máximo da dívida dos Estados Unidos, as avaliações em bolsa americanas consideradas elevadas, bem como as ameaças mais específicas como o cabaz energético. De igual modo, devem ser tidos em conta os efeitos desfasados da orientação monetária restritiva sem precedentes. A crise bancária americana constitui um exemplo claro desta situação.

A redução da oferta de crédito provocada por esta crise aumenta a probabilidade de uma recessão americana. Todavia, acreditamos que esta recessão deverá ser relativamente moderada, dado que o nível de dívida no sistema torna uma eventual recessão profunda perigosa para a sustentabilidade da dívida, algo de que os bancos centrais estão perfeitamente cientes. Por outro lado, a diminuição da inflação poderá causar um aumento dos salários reais, o que permitirá aos consumidores mitigar o choque económico, pelo menos parcialmente.

Assim, este ambiente económico que representa um verdadeiro desafio sem afetar negativamente os mercados, não constitui uma situação anómala. No máximo, reflete uma evolução paradoxal dos mercados, cujos comportamentos dependem mais do posicionamento extremo dos investidores do que dos efeitos presumidos das informações macroeconómicas ou geopolíticas contínuas que lhes são comunicadas.

A orientação monetária restritiva de 2022-2023 e as preocupações relativas à guerra na Ucrânia levaram, através das vendas que provocaram, a um posicionamento extremamente negativo no que diz respeito aos mercados de ações (demasiado negativo, tendo em conta o fluxo de notícias, incluindo as desfavoráveis, que acompanhou estes dois acontecimentos de grande importância). Assim, ao assumir subposições nas ações, o mercado preparou-se para "escalar a parede de preocupações" – ("A bull market climbs a wall of worry", como dizem os anglo-saxónicos).

Deste modo, um posicionamento demasiado negativo face à perceção imediata dos mercados permite a sua ascensão. Os retardatários veem-se obrigados a comprar em todas as quedas de mercados para aproveitar a oportunidade. "Buy the dips!" ("Compre quando o mercado está a cair!") é a mentalidade a adotar para não ficar para trás. Enquanto o posicionamento permanecer muito fraco ou até que ocorra uma surpresa efetivamente negativa (de preferência, exógena) como a irrupção da Covid nas nossas vidas no início de 2020, que interrompeu de forma abrupta a ascensão paradoxal do ano de 2019, o muro é escalado e os mercados recuperam das quedas através destas compras tardias e forçadas.

Esta crise bancária poderá provocar a tão esperada queda de preços e fornecer a solução para o abrandamento económico: a flexibilização monetária

Com esta leitura, o que é que se pode esperar para os próximos meses, típicos de um fim de ciclo que leva os mercados de ações a viverem num limbo entre a esperança de uma pausa na orientação monetária restritiva e o receio da deterioração da conjuntura? O posicionamento atual é consideravelmente menos negativo do que durante o verão passado, mas ainda existem algumas categorias de grande dimensão, diversificadas ou alternativas, com um volume de investimento amplamente insuficiente que poderão ajudar o mercado a prosseguir a sua ascensão, através da sua subexposição atual.

Além disso, e tendo em conta as ameaças que continuam a pesar sobre a economia e os mercados, estes últimos terão de conseguir transformar as más notícias fundamentais em boas notícias para si próprios ("Bad news is good news!"), como aconteceu na década anterior, quando a fragilidade recorrente da atividade económica garantiu um apoio monetário e uma liquidez favorável às avaliações.

Das preocupações acima indicadas, a crise bancária americana é um dos potenciais candidatos a esta transformação de más notícias em boas notícias. Ao reduzir a oferta de crédito e ao obrigar o Banco Central Americano a injetar liquidez em massa no sistema financeiro, esta nova crise poderá fornecer simultaneamente aquilo o mercado espera (uma queda da atividade para baixar os preços) e a solução para esta fragilidade económica: a flexibilização monetária por parte dos bancos centrais. Então, apesar dos indicadores fundamentais ameaçadores, o paradoxo de um mercado em ascensão poderá continuar desde que seja evitada uma recessão profunda.

1Fonte: Bloomberg, Abril 2023.

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