Inflação: complacência proibida!

  • Autor
    Frédéric Leroux
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  • Carmignac

    A convergência de fatores estruturais e sociológicos está a arrastar a economia para um período de inflação persistente, à semelhança do que ocorreu nos anos 70.

  • Carmignac

    A descarbonização e a mudança da nossa atitude perante o trabalho estão a enfraquecer a oferta e a promover a inflação: um verdadeiro desafio para os bancos centrais.

  • Carmignac

    A resiliência da inflação e o consequente ressurgimento do ciclo económico geram múltiplas oportunidades para o investidor ativo. Não temamos a inflação!

A expectativa de um retorno sustentável da inflação para cerca de 2,5% é uma doce utopia

A diminuição da inflação nos Estados Unidos desde junho passado impulsionou os mercados de ações nos últimos meses. As previsões de inflação, como deduzido do preço das obrigações indexadas, sugerem um retorno a um aumento dos preços de cerca de 2,5% a partir do mês de junho após uma estabilização próxima deste nível nos anos seguintes. Esta perspetiva é a de um retorno sustentável aos mercados da década de 2010, quando as rendibilidade líquidas da inflação eram consideravelmente favoráveis aos ativos financeiros e imobiliários e facilmente captáveis pela gestão passiva. Não acreditamos neste cenário de retorno sustentável da inflação a níveis baixos. Pelo contrário, consideramos que a inflação nos acompanhará durante muito tempo.

É cada vez mais evidente que as economias desenvolvidas estão a entrar numa fase inflacionista do ciclo económico a longo prazo, na qual a oferta nem sempre consegue acompanhar a procura. A rápida sucessão de períodos de crescimento inflacionista, impulsionada pelas forças estruturais, e os abrandamentos desinflacionistas, orquestrados pelos bancos centrais, reiniciam a ciclicidade conjuntural, que é desfavorável à gestão passiva e requer um interesse renovado nas temáticas que sofreram com o desaparecimento do ciclo.

As nossas aspirações face à eficiência económica

Além dos fatores estruturais de uma demografia que gera menos poupança e um comércio mundial menos dinâmico, que já foram detalhadamente expostos nas nossas notas anteriores, a inflação está agora a ser alimentada, e continuará a sê-lo nos próximos anos, por dois outros fatores significativos e suscetíveis de limitar a oferta de bens e serviços:

  • a descarbonização das economias, que conduz a uma diminuição drástica dos investimentos nas energias fósseis (e, consequentemente, a uma diminuição estrutural das reservas) e resulta num aumento dos preços da energia;

  • a vontade, após a pandemia, de mudar de vida, materializada por uma atitude diferente perante o trabalho, marcada pelo desejo de trabalhar em casa, por menos tempo, ou de mudar de profissão, muitas vezes para um cargo mais afastado das grandes cidades e centros citadinos onde a escassez de mão-de-obra é mais acentuada.

As energias fósseis continuarão a dominar o cabaz energético mundial por muito tempo

Carmignac

Apesar de os números serem diferentes, o consenso é que nos últimos dez anos, vários biliões de dólares foram investidos na transição energética, mas ao mesmo tempo a quota das energias fósseis no cabaz do consumo energético mundial apenas registou uma descida ligeiramente superior a 1 ponto para 81%.

A combinação de uma diminuição drástica dos investimentos nas energias fósseis e a respetiva estabilidade no cabaz energético mundial tem os ingredientes para uma crise energética da mesma ordem que a que contribuiu para o último grande período inflacionista, de 1965 a 1980, alimentado pelo choque petrolífero de 1973. A OPEP considera – sem surpresa – que deveriam ser investidos 1,5 biliões de dólares no desenvolvimento de energias fósseis todos os anos até 2045, em comparação com o valor atual de um bilião de dólares, de forma a garantir a segurança energética.

A verdade encontra-se provavelmente algures entre esses dois números, mas não podemos deixar que a guerra na Ucrânia nos ofusque e não nos permita ver o défice energético estrutural que enfrentamos com uma fé sincera no carvão, enquanto a produção russa de petróleo se situa apenas 2% abaixo do seu nível anterior à invasão da Ucrânia.

Mas onde está a mão-de-obra?

Em simultâneo, a profunda mudança da atitude perante o trabalho, que conduz a menos horas de trabalho, menos trabalhadores e a um nível muito elevado de mobilidade da mão-de-obra e, por conseguinte, a uma perda de produtividade, pode também conduzir a uma oferta sustentável insuficiente.

Em todo o mundo ocidental, a relação entre as ofertas de emprego e a mão-de-obra disponível está próxima dos máximos históricos: as empresas não conseguem recrutar para responder à procura existente em boas condições. Assim, é natural que comecem a surgir aumentos salariais emblemáticos. A título de exemplo, nas últimas semanas, a Inditex (proprietária nomeadamente da Zara) anunciou um aumento salarial de mais de 20% em Espanha, enquanto a sua concorrente japonesa Uniqlo procedeu a um aumento de 20% a 40% no Japão.

O consenso não acredita num combate prolongado à inflação

A falta de mão-de-obra e os preços da energia são agora, juntamente com o aumento das taxas de juro, as razões que melhor explicam o abrandamento económico. O abrandamento associado a uma oferta insuficiente é inflacionista. A utilizaçao de politicas monetárias tornou-se, assim, mais complicada. A este respeito, é interessante notar que a série de subidas das taxas de juro diretoras da Reserva Federal, de amplitude e velocidade nunca antes vistas (475 pontos base em dez meses), tem sido acompanhada pela taxa de desemprego norte-americana mais baixa desde 1969.

A batalha contra a inflação atual será obviamente ganha a curto prazo por alguns aumentos de taxas adicionais. Estes desencadearão provavelmente a recessão necessária para uma queda mais acentuada dos preços, enfraquecendo o consumo, sem resolver o défice da oferta. Porém, as atuais aspirações socioeconómicas apontam para uma sucessão de surtos inflacionistas que anunciam uma longa luta contra a inflação na qual o consenso não parece acreditar. A menor disponibilidade da mão-de-obra e o aumento dos preços da energia que resultam destas aspirações apenas encontrarão uma resistência esporádica nas políticas monetárias e orçamentais, uma vez que o limiar de aceitação da dor nos países economicamente avançados diminuiu. Assim, as recessões organizadas pelas políticas económicas e monetárias para reduzir a inflação serão curtas e superficiais. A inflação cairá, mas voltará sempre a subir. A resiliência está do seu lado.

Não temamos a inflação; as oportunidades que cria são numerosas!

A capacidade evidenciada da nossa gestão das obrigações para tirar partido dos rendimentos da dívida pública e privada num ambiente de taxas de juro mais elevadas, para detetar situações assimétricas no universo emergente ou para gerir a exposição global às taxas de juro de forma positiva ou negativa, é uma vantagem importante no contexto económico descrito.

As baixas taxas de juro reais esperadas deverão sustentar os mercados de ações. Esta perspetiva justifica uma exposição significativa ao ouro. No que diz respeito à China, a ausência de inflação nesta fase confere-lhe um estatuto muito diversificado.

A introdução de um enviesamento inflacionista na nossa gestão permite-nos tirar o máximo partido das numerosas oportunidades criadas pela ciclicidade económica, ao mesmo tempo que proporciona uma diversificação na gestão de patrimónios. Estamos a trabalhar neste sentido com vigor e convicção. Não tenhamos receio da inflação, façamos dela nossa aliada!

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