Carmignac

Inflação: complacência proibida!

  • Autor
    Frédéric Leroux
  • Publicado
  • Duração
    3 minutos de leitura

A expectativa de um retorno sustentável da inflação para 2,5% é uma doce utopia. A descarbonização e a mudança da nossa atitude perante o trabalho estão a enfraquecer a oferta e a promover a inflação: um verdadeiro desafio para os Bancos Centrais. Esta resiliência da inflação e o consequente ressurgimento do ciclo económico geram múltiplas oportunidades para o investidor ativo.

A diminuição da inflação nos Estados Unidos desde junho passado impulsionou os mercados de ações nos últimos meses. As previsões de inflação, tais como as deduzidas do preço das obrigações indexadas à inflação, apontam para um retorno de 2,5% a partir do próximo mês de junho após uma estabilização nos anos seguintes. Esta perspetiva será a de um retorno sustentável no contexto dos mercados da década de 2010, com rendibilidades líquidas ajustadas à inflação consideravelmente favoráveis aos ativos financeiros e imobiliários e facilmente captados pela gestão passiva. No que nos diz respeito, não antecipamos um tal cenário.

As economias desenvolvidas estão a entrar numa fase inflacionista do ciclo económico a longo prazo, na qual a oferta nem sempre consegue acompanhar a procura. A rápida sucessão de períodos de crescimento inflacionista, impulsionada pelas forças estruturais, e o abrandamento desinflacionista, orquestrados pelos Bancos Centrais, reinicia uma ciclicidade conjuntural, que é desfavorável a uma gestão passiva, em favor de uma gestão mais móvel e das temáticas que sofreram com o desaparecimento do ciclo.

Fatores suscetíveis de limitar a oferta de bens e serviços

Além dos fatores estruturais, como a demografia ou o menor dinamismo do comércio mundial, a inflação está agora a ser alimentada por dois outros fatores: a descarbonização das economias e a evolução da atitude perante o trabalho.

A descarbonização das economias conduz a uma diminuição drástica dos investimentos nas energias fósseis e, consequentemente, a uma diminuição estrutural das reservas e a um aumento dos preços da energia. Durante os últimos dez anos, vários biliões de dólares foram investidos na transição energética, mas a quota das energias fósseis no consumo energético mundial apenas registou uma descida ligeiramente superior a 1 ponto, para 81%. Esta situação tem os ingredientes para uma crise energética da mesma ordem que a que contribuiu para o último grande período inflacionista, de 1965 a 1980, alimentado pelo choque petrolífero de 1973. A OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) considera, sem surpresa, que deveriam ser investidos 1,5 biliões de dólares no desenvolvimento de energias fósseis todos os anos até 2045, em comparação com o valor atual de um bilião de dólares, de forma a garantir a segurança energética. A verdade encontra-se provavelmente entre esses dois números, mas não podemos deixar que a guerra na Ucrânia nos ofusque e não nos permita ver o défice energético estrutural que enfrentamos.

Mas onde está a mão-de-obra?

Em simultâneo, a profunda mudança da atitude perante o trabalho, que conduz a menos horas de trabalho, menos trabalhadores e a um nível muito elevado de mobilidade da mão-de-obra e, por conseguinte, a uma perda de produtividade, pode conduzir a uma oferta sustentável insuficiente. As empresas não conseguem recrutar para responder à procura existente. Por isso, é natural que surjam aumentos salariais emblemáticos. A título de exemplo, a Inditex (proprietária da Zara) e a Uniqlo procederam a aumentos salariais de 20% a 40%.

O abrandamento associado a uma oferta insuficiente é inflacionista, tornando o manuseamento da arma monetária pelos bancos centrais mais complicado. Assim, a série de subidas das taxas de juro diretoras da Reserva Federal, de amplitude e velocidade nunca antes vistas (475 pontos base em 10 meses), tem sido paradoxalmente acompanhada pela taxa de desemprego norte-americana mais baixa desde 1969.

A batalha contra a inflação será previsivelmente ganha a curto prazo por alguns aumentos de taxas adicionais. Estes desencadearão provavelmente a recessão necessária para uma queda dos preços, enfraquecendo o consumo, mas sem resolver o défice da oferta. A menor disponibilidade da mão-de-obra e o aumento dos preços da energia apenas encontrarão uma resistência esporádica nas políticas monetárias e orçamentais, uma vez que o limiar de dor nos países economicamente avançados diminuiu. Assim, as recessões organizadas por estas políticas para reduzir a inflação serão curtas e superficiais; insuficientes para baixar a inflação de maneira duradoura.

Não temamos a inflação; as oportunidades que cria são numerosas!

A capacidade da nossa gestão das obrigações para tirar partido dos retornos das dívidas públicas e privadas num ambiente de taxas de juro mais elevadas, para detetar situações assimétricas no universo emergente ou para gerir a exposição às taxas de juro é uma vantagem importante neste contexto económico.

A fragilidade esperada das taxas reais deverá sustentar os mercados de ações. Esta perspetiva também justifica uma exposição significativa ao ouro. No que diz respeito à China, a ausência de inflação nesta fase confere-lhe um estatuto muito diversificado.

A introdução de um enviesamento inflacionista na nossa gestão permite-nos tirar o máximo partido das numerosas oportunidades criadas pela ciclicidade económica, ao mesmo tempo que proporciona diversificação. Não tenhamos receio da inflação, façamos dela nossa aliada!

Glossário

Obrigações indexadas à inflação: emissões obrigacionistas em que a evolução do pagamento das taxas de juro (o cupão) e o valor de reembolso (o capital) dependem da evolução da inflação. Energias fósseis: energias proveniente da combustão do petróleo, do gás natural ou do carvão. Produtividade: relação entre a produção de bens ou serviços e os recursos (trabalho e capital) implementados para a obter.